A promessa é antiga, tem sido repetida sem excepção por todos os ministros da Saúde nos últimos anos, mas continua a léguas de ser cumprida. Em Abril passado, mais de 740 mil cidadãos não tinham ainda médico de família em Portugal. O número destaca-se na plataforma informática BI-CSP - o "bilhete de identidade" dos cuidados de saúde primários -, mas vai oscilando ao longo dos anos, subindo e descendo ao ritmo da entrada dos novos médicos recém-especialistas nos dois concursos anuais e da saída ininterrupta dos que se vão entretanto reformando.A atribuição de um médico de família "deveria ser uma preocupação permanente", defende o especialista em Economia da Saúde Pedro Pita Barros, da Nova School of Business and Economics, para quem esta questão é central, mais do que a preocupação com os diversos modelos de unidades funcionais em que os cidadãos são actualmente atendidos nos centros de saúde. "O médico de família será. desejavelmente. o ponto central de contacto do cidadão com o Serviço Nacional de Saúde (SNSJ), nota.Enquanto não se descortina uma solução para o problema dos cidadãos sem médico, porque um grande número de clínicos está a chegar à idade legal da aposentação e a entrada em massa de recém especialistas não é suficiente para equilibrar de imediato as contas - há jovens que preferem emigrar ou ir trabalhar para o sector privado -, é possível fazer alguma coisa para se ter médico de família no SNS? Os interessados podem pesquisar no portal do SNS a região onde vivem, para tentar perceber se há médicos disponíveis para acolher mais utentes. Os que tiverem menos de 1550 inscritos (e até 1900, no caso dos que fazem 4O horas semanais) poderão em teoria aceitar mais, excepto se trabalharem a tempo parcial. Embora esta informação esteja "escondida", está disponível para quem souber procurar e for conhecedor dos seus direitos, revela João Rodrigues, ex-presidente da associação das Unidades de Saúde Familiar (USF AN). O circuito a seguir é este: entra-se no portal do SNS, clica-se na barra de cima em "transparência" e, depois, em “gestão de recursos em CSP". Selecciona-se a barra "equipas de saúde familiar" e na página 5 surgem os nomes e o número de inscritos de cada médico de família nas unidades das quase seis dezenas de agrupamentos de centros de saúde das cinco administrações regionais do país (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve)."O cidadão só tem poder se souber gerir a informação. As pessoas podem sempre reclamar para os gabinetes do cidadão dos agrupamentos de centros de saúde ou das administrações regionais de saúde ou ainda para a Entidade Reguladora", sugere João Rodrigues.O certo é que a associação que representa os médicos de família e os sindicatos batem-se actualmente pela reversão da medida negociada quando Paulo Macedo era ministro da Saúde e a troika ditava as regras - desde 2013, alguns aceitaram aumentar a lista dos 1550 para um máximo de 1900 inscritos. Com este acréscimo, foi possível reduzir o bolo dos sem médico. mas agora as mesmas organizações reclamam a diminuição das listas, argumentando que esta medida era suposto ser temporária e que é impossível prestar cuidados de proximidade com qualidade com um número tão elevado de inscritos.Uma solução para atenuar este problema pode passar por pôr os outros profissionais que trabalham em cuidados de saúde primários - e são muitos, não só os enfermeiros e secretários clínicos, mas também os psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, assistentes sociais - a desempenhar tarefas habitualmente a cargo dos médicos. Mas primeiro vai ser preciso conseguir dotar os centros de saúde de um número suficiente destes profissionais.Por enquanto, as "várias competências profissionais indispensáveis em cuidados de saúde primários" continuam "escassas e deficientemente organizadas", destacam os autores do último Observatório Português do Sistema de Saúde (2018). Provam-no os números de consultas de fisioterapia, nutrição e psicologia, que, apesar de estarem a aumentar ao longo dos últimos anos, abrangem ainda uma franja reduzida da população. Estes recursos são partilhados por agrupamentos de centros de saúde, mas a partilha "e um bocado à Lagardére", lamenta João Rodrigues.Nos últimos tempos, um dos projectos mais mediáticos foi o da integração de alguns médicos dentistas e assistentes dentários em vários agrupamentos de centros de saúde, com a colaboração das câmaras municipais que fornecem as cadeiras de dentistas. Intitulado Saúde Oral para Todos, este programa ainda tem um longo caminho a percorrer para honrar o seu nome - no ano passado, fizeram-se cerca de 76 mil atendimentos. Contratados a prazo. estes profissionais tratam apenas os casos mais graves e os doentes com grandes carências económicas, assegurando tratamentos básicos, corno extrações de dentes e desvitalizações. Num país cm que cerca de 70% das pessoas não têm dentes naturais, não é possível a reabilitação e a colocação de próteses, porque a despesa seria demasiado elevada. Porém, graças a este programa, muitas pessoas que nunca tinham ido a um dentista conseguiram faze-lo. A promessa da tutela é a de que até Junho de 2020 todos os municípios tenham, pelo menos, um consultório de dentista.

ALEXANDRA CAMPOS, 19 de maio de 2019, in Jornal Público 

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